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‘Anatomy lesson of Dr. Willem van der Meer’ - Óleo sobre canvas de Michiel Jansz van Mierevelt |
A morte da cidadã italiana Eluana Englaro tem sido explorada, ad nauseum e de forma desonesta, pelos sectores mais reaccionários da sociedade mundial como um exemplo da barbárie sociológica que resultará das putativas alterações dos paradigmas respeitantes à vida humana. Em tempos, um homem conservador, que ainda hoje merece a minha admiração, por se tratar de alguém cujos actos foram sempre marcados por uma enorme compaixão para com o seu semelhante, teve o desassombro de escrever o seguinte: “Distinta da eutanásia é a decisão de renunciar ao chamado « excesso terapêutico », ou seja, a certas intervenções médicas já inadequadas à situação real do doente, porque não proporcionadas aos resultados que se poderiam esperar ou ainda porque demasiado gravosas para ele e para a sua família. Nestas situações, quando a morte se anuncia iminente e inevitável, pode-se em consciência « renunciar a tratamentos que dariam somente um prolongamento precário e penoso da vida, sem, contudo, interromper os cuidados normais devidos ao doente em casos semelhantes ». Há, sem dúvida, a obrigação moral de se tratar e procurar curar-se, mas essa obrigação há-de medir-se segundo as situações concretas, isto é, impõe-se avaliar se os meios terapêuticos à disposição são objectivamente proporcionados às perspectivas de melhoramento. A renúncia a meios extraordinários ou desproporcionados não equivale ao suicídio ou à eutanásia; exprime, antes, a aceitação da condição humana defronte à morte.“ Como pode a hierarquia da Igreja permanecer cega à evidência de tal argumento? Eluana não foi “vítima” de eutanásia. Eluana estava a ser “vítima” de distanásia. Questiono-me: que direito assiste aos membros do Senado Italiano para manipularem as leis sentados nas suas confortáveis cadeiras, imunes ao sofrimento efectivo de um cidadã e daqueles que, dia-após-dia, assistem ao progressivo definhamento da jovem de outrora, até apenas restar um ténue esboço de um cadáver suportado por máquinas? Num outro registo, uma banda que marcou a minha adolescência nos idos anos 80, os The Sound, clamavam numa das suas músicas: “From the safest places, come the bravest words” Jamais esquecerei as palavras de João Lobo Antunes numa das suas crónicas em “Memórias de Nova Iorque e Outros Ensaios”: “Nunca a pratiquei, mas hoje lamento, pelo menos uma vez, não ter tido a coragem de ter aliviado o sofrimento de um ente querido na agonia de uma falta de ar intratável. Ofereci-lhe simplesmente uma torrente silenciosa de lágrimas. Será que ele, em trágica inversão dos papéis, terá pensado como o aviador de Saint-Exupery frente ao pequeno príncipe inconsolável: “Não sabia mais que lhe dizer […] Não sabia como chegar até ele… É tão misterioso o país das lágrimas”? Definições no crespúsculo? Meus caros, são transições! Como podemos definir limites estanques em interstícios temporais, espaciais, físicos e morais? E esta, esta é uma Medicina do crespúsculo, de despedida! |
Rui Amaral Mendes, aqui e no Frágil |
Friday, February 13, 2009
Eluana, religião, ética e conservadorismo...
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2 comments:
Infelizmente. :(
Para alguem que tem a minha profissão e que, simultaneamente, como sabe, se considera catolico, estas posições são particularmente incompreensiveis.
Ai que assunto lixado.
Estou com um pé lá e outro cá.
Nestas minhas andanças de desemprego participei num programa do centro de emprego e tive o privilégio de ter trabalhado um ano e meio num hospital (medicina e serviço de oncologia). Familiarizei-me com todos os tipos de sofrimento e de dor: solidão: maus familiares, maus profissionais, desumanidade e a doença em si .
Sendo uma aspirante a médica frustrada ;) e uma crente da medicina e na investigação acho sempre que vai aparecer uma solução e isso coloca-me de um lado. Ver o sofrimento quando a cura sabermos estar longe também coloca-me do outro lado.
Antes de ter estado no hospital se me sentia baralhada em relação a este assunto neste momento ainda estou mais.
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