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Sabes? Hoje perguntaram-me se era um homem de fé. Perguntaram-me quando respirava a luz do Tejo logo pela manhã. Lá, naquele mesmo sitio, onde íamos todos os domingos de manhã antes da missa. A missa que me obrigavas a ir, que sabias que eu desprezava. Sempre soubeste que eu apenas fingia mexer os lábios nos cânticos, porque a única coisa em que eu realmente cria no meio de todo aquele ritual sem qualquer sentido para mim, era no meu amor por ti. Mas perguntaram-me. Se tinha fé. Em Deus. E eu só sentia o cheiro do teu perfume de domingo. Por momentos senti o teu véu de renda preta roçar na fazenda brusca do meu casaco. E repetiram a pergunta perante o meu silêncio. Coitados, não perceberam que apenas esperava que tu me sussurrasses a resposta certa. Mas não. Não disseste nada. Nem uma só palavra. E apontando para as colunas respondi-lhes: A morte não é mais que um simples cais. Para os que têm fé em Deus é um cais de partida. Para um destino incerto. Mas o qual não questionam. Porque quem acredita não precisa de questionar. Para os que não a têm, é o seu cais de chegada. Para trás ficou a certeza das perguntas tantas vezes sem resposta. Mas, hoje, um dia antes de fazer oitenta anos, e temendo cada vez mais esse cais, a que chamo morte, temo sim, acima de tudo, descobrir que vivi sem medo de ter perdido a fé nos homens. Cristina Nobre Soares |
Cristina Nobre Soares aqui e no Deserto do Mundo |
Monday, January 26, 2009
O Cais
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1 comment:
olhem que bom! :-)
Um luxo, ter/ler a Cristina também aqui!
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