Tenho vivido no epicentro dos dias - semanas - alimentado pela adrenalina dos desafios que se atravessam no caminho. Agora, pelo menos, mais do que é habitual. Viagem a Shanghai em demanda das mais recentes evoluções da ciência e da arte (assim a designam), levando na bagagem o meu contributo, apenas para, mais uma vez, sofrer o terrível anti-clímax do regresso a Portugal. Tenho diagnóstico feito, embora tardiamente confirmado: sofro de “depressão de regresso”, estado patológico que desisti de combater e que agrava o meu estado de workaholic natural. Tristemente constato que cada vez gosto mais do meu País… lá fora. Os dias sucedem-se a um ritmo alucinante, como se trouxesse Pudong nas veias. Contrariamente ao sucedido com Tom Baxter, em The Purple Rose of Cairo, em terras ondes impera o mandarim, fui eu que me senti transportado para dentro de Lost in Translation. Uma espécie de Bob Harris, embora sem Charlotte. Acossado pela insónia decorrente do jet lag, matei lentamente o tempo embrenhando-me nas palavras de um agonizante Miguel de Unamuno: “E o que mais nos une a cada um consigo próprio, aquilo que faz a unidade íntima da nossa vida, são as nossas discórdias íntimas, as contradições interiores das nossas discórdias.“ A magnífica Shanghai, foi local de reencontros: uma espécie de Presente dando especial sentido às opções do Passado. Mergulhei na opulência de uma sociedade capitalista do século XXI, enxertada sobre conceptualizações filosóficas cuja génese remonta ao longínquo século XIX. Na curta viagem de 7 minutos que liga os 30km que separam a cidade do aeroporto, a bordo do fabuloso Maglev, um colega belga questiona-me sobre se ainda acredito na politica. Discutíamos o mundo. Respondo-lhe que acredito na cidadania de corpo inteiro. Dir-se-ia que foi uma fuga para a frente. Talvez! Em Frankfurt compro “The Conscience of a Liberal” de Paul Krugman, cujas crónicas no New York Times tanto aprecio. Como é interessante ler reflexões escritas sem as grilhetas de timings eleitoralistas. A chegada a Portugal presenteia-me com plurais Europeus, homens que subscrevem por baixo, homens que não brincam, mulheres ditas diferentes ou apenas com esperança. Temos dedos acusatórios prometendo uma sempre adiada justiça e puristas que que pugnam pela meritrocracia sociológica.
Da Europa, resquícios. Do País, ausência de ideias. Apenas a Liberdade resgatada se reencontra, num acto primacial de amor. De pensar. De verbalizar o pensamento. De materializar as palavras. Ironicamente, na Shanghai pela qual me apaixonei, senti, essencialmente, falta de liberdade para amar. [Rui Amaral Mendes] | |
Rui Amaral Mendes, aqui e no Frágil |
Saturday, June 6, 2009
Shanghai
Labels:
» PORTUGAL,
»» PROSA,
»»» LUSÓFONOS,
* RETALHOS,
Rui Amaral Mendes
Subscribe to:
Post Comments (Atom)
E eu sinto-me confuso. Muito confuso.
2 comments:
Cara MJ,
Questiona-me sobre a "estranheza total perante a civilização oriental".
Digo-lhe que não o senti. Pelo menos, não com esse carácter absoluto. Contudo, é minha convicção que uma das maiores, e mais nefastas, arrogâncias ocidentais é pensar que conseguem (ou devem) uniformizar os modelos sociológicos utilizando o Ocidente como referência.
Aquando da minha deslocação à Índia, o que pude constatar foram processos progressivos de aniquilamento (auto-) cultural, cujas consequências não tardarão a fazer-se sentir.
E tive pena, muita pena, de ver jovens vestidas da mesma forma que as jovens dos Estados Unidos, num lento processo, mas cada vez mais profundo, processo de uniformização de costumes, onde a diversidade é a primeira e maior vítima.
Mas, assim como assim, em Shanghai senti que os mais velhos são, ainda hoje, fiéis guardiões de tradições. de uma maneira muito própria de estar, que acaba por actuar como um factor diferenciador face ao gigantismo Norte-Americano.
Serão os velhos de amanhã capaz de guardar a singularidade das suas culturas????
Não sei!
Concordo inteiramente com o que diz [mas... com carácter relativo :) ]
A estranheza que vivi no oriente (2 anos) tornou-se agradável - e, como o RAM refere, penso que nos ensina muito sobre a diversidade de culturas e a disparidade de gostos e crenças.
Quanto aos valores que os idosos cultivam, de respeito (quase veneração) à família, entre outros, que estranheza ainda maior nos causa...
Folgo que tenha passado por essa experiência riquíssima :)
Lembranças
Post a Comment